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sábado, 26 de março de 2011

Fundação da Igreja Presbiteriana e Construção do Cemitério de Protestantes de Cachoeira – Bahia

Breve Relato Histórico Sobre a Fundação da Igreja Presbiteriana e Construção do Cemitério de Protestantes de Cachoeira – Bahia

Luiz Cláudio Dias do Nascimento





















Para o pastor Gevaldo Simões, aquem agradeço pelas importantes informações históricas. Quero mais!
Para a comunidade presbiteriana de Cachoeira.

A partir de 1860, europeus provenientes da Inglaterra, Alemanha e Suíça, de orientação religiosa luterana e calvinista principalmente, chegaram ao Recôncavo baiano, motivados com a implantação da Tram Road of Paraguaçu – Estrada de Ferro do Paraguaçu - e com a industrialização e manufatura de fumos. Nessa época, a cidade de Cachoeira experimentava um momento de significativas tensões sociais em torno da abolição da escravatura, e também como uma cidade onde ocorria um expressivo processo de consolidação de expansão urbano-industrial, iniciado naquele século, que refletiria na sua definição e modernização espacial. O processo de industrialização e modernização, no entanto, teria conseqüências: ele coagiria a população pobre e negra a se agruparem em núcleos residenciais em zonas recuadas das zonas formais de expansão urbana.
Isto refletiria no afastamento do escravo e do liberto das zonas centrais e tradicionalmente habitadas pelos estratos superiores da sociedade local para as zonas marginais da cidade, fenômeno que vinha acontecendo desde o momento em que intensificou o processo de expansão da então vila, no final do século XVIII. O mais importante núcleo residencial negro de Cachoeira ficava localizado numa zona denominada Recuada. Nesse núcleo surgiram quatro agrupamentos (arruados). Eram eles: Curral Velho, Corta-jaca, Galinheiro e Bitedô. O Corta-jaca (depois denominado Rua de Belchior e atualmente a Rua e Largo dos Remédios) situava-se à margem do riacho Pitanga e distava, aproximadamente, 300 metros lineares da Rua da Ponte Velha (atualmente Rua 13 de março) , divisando, aliás, com um pequeno sítio onde se plantavam hortaliças e legumes. Era o agrupamento que fazia fronteira com a área urbana formal. Curral Velho (hoje Praça Marechal Deodoro) era o matadouro público, ligado ao Corta-jaca pela Rua do Rosarinho (atualmente Rua Alberto Rabelo) e à área formal pelas ruas da Faísca e Lama O agrupamento do Galinheiro localizava-se contíguo ao Corta-jaca, separado por uma praça que margeava o riacho Soberbo (hoje canalizado); era um arruado incrustado no sopé do morro Bitedô, que lhe servia de bastião.
Já o Bitedô era muito complexo. Tratava-se de um morro íngreme localizado a cavaleiro desses dois primeiros núcleos citados. Pela sua altura era possível ter uma visão panorâmica de toda a área urbana, inclusive de parte do Rio Paraguaçu. Junto ao morro Bitedô, numa depressão, formava-se outro morro muito maior, conhecido por Capapina. As terras da zona da Recuada pertenciam no início do século XIX a José Antônio Fiúza da Silveira e Souza. Antes do seu falecimento, parte dessas terras foi por ele vendida e doada para construção de igrejas, cemitérios e construção de casas, estas mediante pagamento de foros. O processo de urbanização que originaria o núcleo africano da Recuada teve início em meados da década de 1830.
Em 1841 a Câmara de Cachoeira designou o Pedreiro da municipalidade, José Marinho Falcão, a proceder-se a vistoria e alinhamento requerido por José Antonio Fiúza da Silveira e Souza, em uma porção de terreno baldio, de que o suplicante é proprietário, sito na mencionada rua da Pitanga, afim de nela levantar casas, e sendo aí foi feito pelo suplicante apresentado a Camara o dito terreno pedindo que lhe mandasse alinhar da quina da casa de Claudina Maria da Silveira a findar quase no morro que fica em direção a rua do [largo do] Remédio . No dia 15 de janeiro de 1853, o referido José Antônio Fiúza da Silveira envia oficio à Câmara de Cachoeira, dizendo que: Sendo proprietário dos terrenos místicos [mistos, vizinhos] a Igreja Nova denominada Capella do Rosário [igreja dos nagôs], no alto por detrás do antigo curral, que inda se achão aqueles terrenos sem conveniente alinhamento para os arruamentos e como já tinha o supplicante adquirido pessoas que quisessem edificar suas propriedades nos mencionados terrenos não podendo o supplicante dar arruamento sem que V.V.S.S vim ao indicado lugar juntamente o pedreiro desta Camara para fazer o mencionado arruamento tanto para aformosiação desta cidade como para sentença publica . Fiúza se referia no seu ofício à Câmara, não aos terrenos à colina onde em 1842 havia sido erigida a mencionada Capela do Rosário, e sim às terras do antigo curral (atualmente a Praça Marechal Deodoro), e adjacências (Corta-Jaca, Galinheiro e Bitedô). Baseado em outro documento datado de 1839, o curral e matadouro haviam sido deslocados para outra zona, em terras de sua propriedade, atualmente denominada Avenida São Diogo .
Em 1858, as terras que hoje compreendem a Praça Augusto Régis (antigo Rua do Moinho), incluindo o morro Bitedô (atualmente Alto do Cruzeiro ou Manoel Vitório) e Rua 28 de Junho (antiga Rua do Cemitério) e Rua Stela, foram compradas por José Joaquim d’Oliveira. Consta no livro de registro de terras de Cachoeira de 1858 que: José Joaquim d’Oliveira, morador n’esta Freguesia, possue uma sorte de terras no rio Pitanga d’esta cidade, que as houve pôr compra a José Antonio Fiúsa da Silveira, e se divide com as do vendedor pelo outeiro fronteiro [Bitedô] ao Moinho até seu cúme; deste a estrada que vai do simiterio para Belém [ladeira que sobe para o Bitedô], por esta até encontrar com terras de Francisco Fernandes da Costa, dividindo-se com este até o Rio Pitanga com Domingos Joaquim de Vasconcellos com Domingos Moreira, com Alberto Teixeira Guedes, com José Caetano Alvim, e com Antonio Moreira Barreto, conforme escritura. Cachoeira, 28 de julho de 1858. O Vigário Dionísio Borges de Carvalho. Desde a década de 1840 a Recuada se caracterizava também como zona agrícola e industrial.
Em 1838, Manoel Vasconcelos de Souza Bahiana fundava em Cachoeira a segunda fábrica de rapé da Província na localidade do Pitanga, próximo ao morro Bitedô, que aparece no documento acima citado Domingos Joaquim de Vasconcellos. Em 1870 a propriedade foi vendida ao italiano Jaccomim Vaccarezza, que, além de preservar a fábrica de fumos, se estabeleceu também com uma serraria e fábricas de pequenas e elegantes caixas de madeira utilizadas para acondicionamento de charutos e cigarrilhas. Em 1860, uma iniciativa do vereador José Ruy Dias d’Affonseca, foi aprovada em Câmara a implantação de uma ferrovia ligando Cachoeira a Feira de Santana. A Lei número 124, de 16 de junho de 1865, autorizou o início das obras da Tram Road of Paraguaçu, Estrada de Ferro do Paraguaçu, depois Brazilian Imperial Central da Bahia Railway, Imperial Estrada de Ferro Brasileira Central da Bahia. A implantação da ferrovia em Cachoeira ocorreu no momento em que europeus de variadas nacionalidades chegavam a Cachoeira como técnicos especializados empregados na ferrovia, ferreiros, artífices e como comerciantes. Na década de 1870, Cachoeira absorveu significativo número de capitalistas alemães provenientes principalmente de Bremen e Hamburgo, que investem na cultura e manufatura do fumo. Esse novo segmento social contribuiria para a definição espacial da área urbana de Cachoeira, que expandia com maior intensidade nesse momento para os espaços do antigo rossio . Contribuiriam também para introduzir novos hábitos e idéias científicas. Cachoeira em meados do século XIX inaugurava salas de vistas (como eram denominadas as salas de cinema), teatro, clubes sociais, tal como o Clube dos Alemães, este na outra parte de cidade, atualmente São Felix, e o pensamento da sociologia de Herbert Spencer circulava através de extensos artigos publicados nos semanários locais.
Evidentemente, a zona fumageira do Recôncavo baiano não abrigou uma colônia alemã como ocorreu no Sul do país. Entretanto, um número significativo de famílias de europeus de variadas nacionalidades (ingleses, alemães e suíços) e, como já foi mencionado, de orientação religiosa protestante (mormente presbiterianos e luteranos), fixaram residência em Cachoeira e São Felix nesse momento. A presença de protestantes ensejou evidentemente a fundação da Igreja Presbiteriana e, consequentemente, a construção do Cemitério de Protestantes.

Fundação da Igreja Presbiteriana de Cachoeira

Segundo o historiador e pastor da Igreja Presbiteriana, Gevaldo Simões, “a Igreja Presbiteriana de Cachoeira foi fundada no dia 12 de setembro de 1875 , com apenas três membros comungantes: os reverendos. James Theodore Houston, Francis Joseph e Christopher Schneider”. De acordo com o historiador Gevaldo Simões, os mencionados reverendos chegaram ao Brasil entre as décadas de 1860 e 1870, filiando-se ao Presbitério do Rio de Janeiro. Schneider, o terceiro missionário presbiteriano vindo para o Brasil em 1861, transferiu-se do Rio de Janeiro para a Bahia em fevereiro de 1871, fixando residência em Salvador, tendo organizado a igreja presbiteriana soteropolitana no dia 21 de abril de 1872. Houston chegou à Bahia, vindo dos Estados Unidos, no final de 1874, a fim de colaborar com Schneider no seu ministério religioso, transferindo-se para a cidade de Cachoeira no dia 31 de dezembro daquele mesmo ano de 1874, permanecendo nessa cidade até 1877, quando se transferiu para o Rio de Janeiro.
De 1877 a 1880, o templo presbiteriano de Cachoeira esteve sob os cuidados do Rev. Robert Lenington. A partir daí, assumiu o cargo de pastor o reverendo. Alexander L. Blackford, o segundo presbiteriano europeu a chegar ao Brasil com função missionária. De 1884 a 1886, Blackford foi auxiliado no campo baiano por Jonh Benjamin Kolb, que em seguida transferiu-se para Sergipe. Em 1891 a 1892 assumiu a liderança religiosa o reverendo Woodward E. Finley, e Edgard M. Pinkerton, que foram sucedidos de 1892 até 1902 pelo pastor George Whitehill Chamberlain, que residiu em Salvador, Feira de Santana, Cachoeira e São Félix, viajando extensamente pelo interior.
Entre 1902 e 1905, residiu em Cachoeira o Rev. William Alfred Waddell, genro de Chamberlain. Em 1906 a família Waddell seguiu para a Chapada Diamantina, onde fundou o famoso Instituto Ponte Nova, nome certamente inspirado na rua onde estava sendo construído o templo presbiteriano de cachoeira. Nessa época também trabalhou na Igreja de Cachoeira o pastor Pierce Chamberlain, filho de George Chamberlain. A partir de 1903 assumiu o pastor Henry John McCall, que também trabalhou em Muritiba, Feira de Santana, São Gonçalo dos Campos e outros locais pertencentes à jurisdição de Cachoeira onde residiam alemães ligadoa à plantação e exportação de tabaco. Nessa época, sete membros da igreja mudaram-se para Canavieiras, organizando a igreja presbiteriana naquela cidade no dia 26 de setembro de 1906. A seguir, a Igreja de Cachoeira teve o seu primeiro pastor brasileiro, o Rev. José Ozias Gonçalves (1906-1908). Ele reconstruiu o templo, que havia sido destruído por uma inundação. Sua esposa, Nefália, fundou um clube recreativo lítero-musical. No dia 7 de janeiro de 1907 foi organizado o Presbitério da Bahia e Sergipe, do qual o Rev. José Ozias foi o primeiro moderador.
No referido livro de atas da igreja presbiteriana de Cachoeira, referente ao período de 1875 a 1902, encontra-se anexado um folheto com o programa da “cerimônia da Casa de Oração à Rua da Ponte Nova”, com data de 7 de setembro de 1901. No ano de 1901 foi conseguida junto à então intendência municipal a doação de um terreno à margem do Rio Paraguaçu, na Rua Ponte Nova, tendo sido lançada em 7 de setembro de 1901 a pedra fundamental do templo. Em 1903 o templo foi concluído. O edifício que ainda conserva as mesmas características na sua fachada foi construído com um jardim gradeado com ferro batido e fundido. O pastor que coordenou a construção foi o Rev. George W. Chamberlain, que veio a falecer em 1902, sem ter visto a conclusão da obra. Por se localizar em área de aterro, foi gasta uma soma muito alta de dinheiro só para preparar o terreno e fazer os alicerces. O projeto de construção foi elaborado e executado pelo pastor.dr. William Waddell, que substituiu o pastor Chamberlain. O mestre de obras se chamava José Martins Alves. No ano da inauguração do templo a igreja tinha 97 membros. Depois de três anos de inaugurado, em 26 de outubr
o de 1906, o templo desabou em conseqüência de uma enchente, deixando seis pessoas feridas.
O Rev. Henry McCall, que viajaria em missão para os Estados Unidos, resolveu adiar a viagem e trabalhar na reconstrução, o que ocorreu em 1907 na gestão do citado pastor José Ozias Gonçalves. Na década de 1970, de forma impensada, foram trocados os janelas laterais do templo por basculantes, descaracterizando parcialmente o edifício.

A Fábrica de Charutos Suerdieck

Residência dos diretores da Suerdieck. Foto abaixo, à direita, prédios da primeira unidade fabril da Suerdieck. Ã esquerda, prédio da segunda unidade fabril.




























Subsequente à fragmentação do espaço da plantation açucareira no Recôncavo baiano, a partir da segunda metade do século XIX, emergiu uma “agricultura rudimentar doméstica [roças] baseada em redes familiares, que engendrou outros modos de relações sociais entre escravos, entre
estes e
os libertos, e a consolidação de espaços sociais alternativos no próprio sistema plantocrático” . Segundo Marcelin, no tocante a Cachoeira “essa relação peculiar com o regime do tempo e a organização do espaço de produção introduziram outras esperanças de vida dos escravos, principalmente relacionadas à acumulação de bens a fim de poder comprar sua liberdade, ou ainda no sentido de uma ativação dos laços familiares de modo a alcançar esse mesmo objetivo”. Isto tornou possível no contexto da produção do tabaco plantado em pequenas unidades agrícolas domésticas espalhadas em Cachoeira e em cidades e vilarejos próximos, que não só engendrou uma organização social distinta no Recôncavo como foi acompanhada de uma reorganização do trabalho, uma especialização profissional, que seria mais tarde absorvida pelas indústrias fumageiras locais, e na organização dos espaços e formação de núcleos residenciais negros em torno de unidades fabris. Nesse momento, como resposta ao estrangulamento da plantation açucareira, entrou em cena a agroindustrialização do fumo, que a partir de meados do século XIX passou a ser produzido em grande escala para atender o mercado europeu através do controle da exportação e capital alemão. Em 1838, Manoel Vasconcelos de Souza Bahiana fundava em Cachoeira a segunda fá
brica de rapé da Província.
Em 1842 seria instalada a primeira fábrica de charutos em São Felix, a Imperial Fábrica de Charutos Juventude, pertencente a Francisco Paes Cardoso. Em 1851, José Furtado de Simas inauguraria a Fábrica de Cha
rutos Fragrância. Em 1856, a firma Leite & Alves, do Rio de Janeiro, instalava sua filial em Cachoeira para produzir cigarros e cigarrilhas, a primeira da Bahia, que funcionaria até a década de 1970 . Em 1873, dois anos antes da fundação da Igreja Presbiteriana de Cachoeira, fundava-se em São Felix a Fábrica de Charutos Dannemann. Nessa mesma década seriam instaladas em Cachoeira as potentes fábricas de charutos Stein, Poock, intastalada na Rua 13 de Maio 7, na zona central da cidade da cidade de Cachoeira. No início do século XX, seria instalada a fábrica de fumos Suerdieck, com matriz em Maragojipe e filiais em Cachoeira Cruz das Almas. A unidade fabril da Suerdieck inicialmente funcionou em Cachoeira na Rua Formosa, importante zona comercial e endereço dos principais armazéns de fumos de Cachoeira, transferindo-se mais tarde para uma oura uniade a poucos metros da instalação inicial. Por volta de 1940 a empresa comprou, em mãos de Porcino José de Souza, a “chácara de número 84 [antiga número 12] à Rua dos Artistas”, ampliando a sua área industrial e área de plantio de tabaco para experimentação de sementes.. A “chácara” abrangia o Curral Novo (Avenida São Diogo) e a Rua Stela, conforme consta no livro de registro de notas de Cachoeira . Além da “casa de duas portas laterais de entrada, dez janelas de frente, duas salas de fundo, sete quartos, sala de jantar, cozinha e latrina”, o imóvel possuía ainda “quintal com um terreno no mesmo lugar, com 45 braças de frente, e trinta e duas [braças] de fundo”. Porcino José de Souza as adquiriu em 1937, em mãos de Felinta Chagas Vieira. Desconhece-se a relação profissional de Pocino José de Souza com a Suerdieck, mas é provável que tenha sido funcioná
rio graduado da empresa e intermediou a transação comercial como tal, visto que residia em Coqueiro, distrito de Maragojipe, onde, como já foi mencionado, funcionava a unidade fabril matriz da Suerdieck.
A Chácara pertencia a Felinta Vieira por herança de seu marido, Carlos Silvestre de Souza Farias, que por sua vez as adqui
riu em sociedade com João Pinheiro de Carvalho junto à Irmandade de Nossa Senhora da Conceição do Monte, em 3 de setembro de 1907. A Suerdieck, Dannemann e Costa Penna representavam, até meados do século XX, as maiores empresas fumageiras do Recôncavo baiano. Segundo o sociólogo Luis Aguiar Costa Pinto, essas empresas admitiam aproximadamente mil funcionários, a maioria constituída de mulheres. Além do quadro de operários diretamente empregados, as indústrias de fumo absorviam numerosa mão-de-obra, que eram contratadas temporariamente para o serviço de `destalamento` e seleção, que consistiam na retirada do pecíolo da folha de fumo e a subseqüente separação de ac
ordo a sua qualidade, trabalhos esses indispensáveis para garantir a boa qualidade de produto. Tratava-se de uma atividade doméstica, que além de absorver trabalho de famílias inteiras, garantia principalmente a geração de emprego e renda de parte de população . Desse modo, as indústrias fumageiras no Recôncavo baiano foi um propulsor de desenvolvimento econômico. Os operários fumageiros não especializados eram, na sua maioria, constituídos de indivíduos oriundos da escravidão. Um questionário com doze perguntas apresentado pelo Ministério em 1881 com o objetivo de traçar o perfil das indústrias fumageiras do Recôncavo baiano evidencia a sua estrutura funcional. O quesito 5, que questiona os meios de produção, as empresas responderam unanimemente que “os charutos são fabricados a mão”. Respondem que a matéria prima é o fumo superior das Mattas de São Felix, São Gonçalo e Pedrão, que pode-se calcular em cerca de 2:0000 arrobas por anno, do custo aproximado de 20$000 reis por arroba”. Respondem no quesito 8 que “os operários empregados no fabrico regular são 40 homens; 20 mulheres e 10 meninos, que ganham o salário de 2 até 12:000 reis por semana, conforme as suas habilitações de trabalho”. Mais adiante, no último quesito, diz que “os operários são geralmente sem instrucção e na maior parte anaphabetos”. Embora o desenvolvimento agroindustrial fumageiro no Recôncavo baiano tenha aumentado a produção anual e o número de operários e lucro, como foi observa
do por L
. A.Costa Pinto na década de 1940, o perfil do operário e seu salário não diferenciou muito daquela fábrica que em 1881 respondeu o questionário solicitado pelo Ministério da Agricultura. Embora não tenha sido o objetivo principal das companhias fumageiras de capital alemão absorver a mão-de-obra barata da população negra e especializada historicamente explorada no Recôncavo baiano, fica evidente que essas companhias se beneficiaram dessa aspecto. Atento para a boa qualidade e refinamento de seu precioso produto, os empresários alemães cuidaram em produzir o que de melhor pudessem para o exigente mercado europeu, visto que charuto era uma representação de status e refinamento social.



Para garantir o seu acesso no mercado, as grandes empresas não mediam esforços em absorver especialistas renomados. A Poock & Cia Fábrica de Charutos e a Suerdieck são casos exemplares. A Poock era uma empresa familiar instalada na Alemanha, que em finais do século XIX instalou filiais inicialmente no Rio Grande do Sul e depois em Cachoeira. Seus empregados que exerciam funções técnicas e outros funcionários graduados eram oriundos da Alemanha. Além de técnicos alemães, trabalhavam também em suas unidades fabris especialistas cubanos. A Suerdieck igualmente tinha em seus quadros funcionais trabalhadores alemães exercendo funções relevantes. O alemão Carl Kaorner, por exemplo, transferiu-se de Bremem, sua terra natal, para exercer função relevante na matriz maragojipana, transferindo-se em seguida para Cachoeira, onde exerceu função de gerente geral e constituindo família, que ainda hoje reside nessa localidade. Assim como o fundador da empresa, em 1945 Carl Kaorner retornou para seu pais. Naquele momento o Brasil ingressava na Segunda guerra Mundial como aliado norte-americano. As tensões sociais ocorridas no Recôncavo baiano em torno desse evento político representou um dos fatores basilares da decadência da industria fumageira nessa região, comprometendo principalmente a Suerdienck, que nesse momento representava a mais importante empresa, tanto em Cachoeira quanto em Maragojipe. Registra-e na tradição oral local que, em 1944, durante a festa em louvor a Santa Cecí
lia, quando ocorre em novembro uma expressiva manifestação popular dançante nas ruas de Cachoeira, Carl Kaorner, temendo uma reação violenta popular contra a empresa alemã, esse estendeu uma enorme bandeira do Brasil na fachada da unidade fabril, o que impediu uma possível reação popular. Conta-se ainda que em frente à fábrica a multidão dançante improvisou o seguinte verso:

Oh, Santa Cecília
Venha nos valer
Para a guerra acabar
E o Brasil vencer.


O Cemitério de Protestantes

Portal do Cemitério de Protestantes de Cachoeira
























No dia 13 de abril de 1857, a Mesa administrativa da Irmandade de São João de Deus da Santa casa de Misericórdia enviou ofício às irmandades religiosas católicas de Cachoeira solicitando a cada uma delas construir, à suas expens
as, carneiras no cemitério que estava sendo construído na cidade de Cachoeira .
Com exceção da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Sagrado Coração de Maria do Monte da Rua Formosa, conhecida como Irmandade dos Nagôs, que alegou possuir seu cemitérii
o próprio, construído em 1856, da Irmandade de Nossa Senhora da Ajuda, que não era constituída formalmente, e da Irmandade da Ordem Terceira do Carmo, a Confraria do Amparo autorizou construir 40 carneiras, a Irmandade do Santíssimo Sacramento, construiu 15 carneiras, a Irmandade do Senhor Bom Jesus da Paciência adquiriu 20, a de Senhor Bom Jesus dos Martírios 20, a de Nossa Senhora do Rosário 25, a Irmandade da Conceição do Monte construiu 12 e a Irmandade de São João de Deus construiu 50 carneiras. Dezessete anos depois, em 1874, a Irmandade de São João de Deus inaugurava o equipamento, que ganharia a denominação de Cemitério Piedade. Antes da construção formal do mencionado cemitério, a Irmandade de São João de Deus sepultava seus mortos, e os falecidos no seu hospital da Santa Casa de Misericórdia, num arrabalde da então vila, localizada na imediação da estrada que dava acesso ao Capoeiruçu, uma zona rural de Cachoeira. Esse cemitério foi criado provisoriamente e de forma emergencial para sepultar vítimas da epidemia do cólera morbus, que vitimou milhares de pessoas no Recôncavo baiano entre 1550-60. Numa data não especificada, próximo ao cemitério fundado pela Irmandade de São João de Deus na proximidade da estrada de Capoeiruçu, havia um cemitério construído por protestantes. O termo “protestante” remete ao grupo de europeus não portugueses (alemães, ingleses, suíços de orientação religiosa luterana e calvinista, isto é, protestantes) que, como foi mencionado acima, chegou a Cachoeira (por extensão ao Recôncavo baiano), motivado pela implantação da ferrovia e pela industrialização do fumo nessa região a partir da segunda metade do século XIX.
Baseado na data de fundação da Igreja Presbiteriana em Cachoeira, acima analisada, o referido cemitério, que era uma reivindicação desse grupo religioso, certamente foi construído em meados ou final do século XIX. Não dispomos de peças documentais que ofereçam suportes para afirmar, mas é possível afirmar que as terras onde foi erigido esse cemitério foram compradas por Feliciano José de Araujo Lima. Vale ressaltar que no livro de atas da Igreja Presbiteriana de Cachoeira, corforme relata o já mencionado pastor Gevaldo Simões Sobrinho, consta um texto intitulado “Palavras proferidas na ocasião de se enterrar o Sr. Feliciano José de Araújo Lima”. Diz o pastor Gevaldo Simões que Feliciano é o primeiro nome da seção de “Óbitos” do livro de atas, onde consta que ele faleceu no dia 8 de abril de 1877 e foi sepultado no dia seguinte “no terreno que ele mesmo comprou para servir de cemitério para os acatólicos na Cachoeira”. Seis anos depois do falecimento, em 1883, José da Costa Ferreira, “procurador da Sociedade Fraternal Evangélica”, solicita à Câmara autorização para construir “seu cemitério”transferindo do alto da Rua da Feira, onde presentemente é edificado, para o alto dos Currais Velhos, a um [ao] lado [do cemitério] da Santa Casa” . O “alto da Rua da Feira” em referência é hoje denominado Cucuí de Brito, com suas ruelas e becos. Já o “alto dos Currais Velhos a um lado da Santa Casa” citado no documento é seguramente a atual Rua Stela (ou Rua André Rebouças).
Neste sentido, podemos afirmar que sem embargo as terras onde atualmente está assentado o Cemitério de Alemães (e também de Protestantes, acatólicos,exclusivamente para edificação do referido cemitério, de Estrangeiros, etc.), foram adquiridas em 1883 através da referida Sociedade Fraternal. No mesmo ano de 1883, o conselheiro municipal Francisco Vicente de Oliveira emitiu parecer em sessão ordinária, dizendo que “Attendendo as necesidades sentidas na Freguesia de São Felix de um cemitério, e ainda attendendo a utilização rel que pode elle prestar áquella população, proponho que do producto do imposto sobre o fumo em folha arrecadado no município no próximo exercício seja designado a quantia de três contos de reis destinado excluzivamente para edificação do referido cemitério, a crescentando-se [sic] na redacção do respectivo paragrapho o seguinte: três reais sobre kilograma de fumo em folha exportado do município, tirando-se a quantia de 3:000$000 desta verba para ser aplicado exclusivamente a factura de um cemitério na freguesia de São Felix. Cachoeira, 30 de abril de 1883”.
O que se pode reter deste parecer é que o grupo de europeus protestantes moradores na zona fumageira do Recôncavo baiano se impunha pela sua inserção econômica na região, e também pela sua inserção política diferenciada enquanto um grupo que se unia de forma identitária, tendo como elemento de referência a sua orientação religiosa protestante. As terras onde foi erigido o cemitério de Alemães pertenciam à Irmandade de Nossa Senhora da Conceição do Monte. Como foi citado em linhas acima, Fiuza fez doações de parte de suas terras, que no limiar do século XIX estavam sendo urbanizadas. Certamente as terras que foram vendidas para a Sociedade Fraternal Evangélica pela Irmandade de Nossa Senhora da Conceição do Monte foi uma das que em épocas anteriores à década de 1870 foram para ela doadas por José Antônio Fiúza da Silveira ou por seus herdeiros em épocas posteiores. A partir dessas evidências, é possível concluir, que a aquisição da chácara por parte da Fábrica de Charutos Suerdieck não se limitou unicamente em ampliar a sua área industrial, muito menos dotar à empresa de um laboratório de seleção de sementes de fumos, como foi utilizado o antigo quintal da chácara.
Tudo o que foi aqui dito leva a crer que a sua aquisição teve também como objetivo resgatar um espaço que tinha um significado simbólico importante para um pequeno, mas significativo núcleo de europeus protestantes que deixou marcas indeléveis nessa porção territorial do Recôncavo baiano. O Cemitério de Protestantes, como já foi aqui assinalado, está localizado no cume de uma ladeira que dá nome Rua Stela, atualmente denominada Rua André Rebouças. Trata-se de uma rua estreita, onde à direita existem casas vernaculares construídas no sopé de uma propriedade rural fragmentada da antiga chácara, resultante da divisão de propriedade quando da venda efetuada pela Irmandade de Nossa Senhora da Conceição do Monte, em 1907, lado esquerdo existem casas igualmente vernaculares construídas no declive do limite dos quintais das casas da Rua dos Artistas, a antiga Rua do Mata Burro, atualmente rua dos Artistas. O cemitério é uma construção simples, pequena (aproximadamente 600m2), composto de um portal em estilo gótico, que evidencia sua influência européia, com portão de ferro batido, protegido por um muro de aproximadamente 2 metros de altura. Vizinho existe uma casa onde residia o coveiro e vigia, atualmente ocupado pelo filho de um por um antigo operário da Suerdieck e funcionário do cemitério. Na entrada do cemitério existem colunas de ferro fundido, que sustentavam uma cobertura de telhas com frisos laterais de materiais não identificado.
Em toda a extensão do cemitério os jazigos são dispostos de forma paralela uns aos outros. Os jazigos são separados paralelamente. No bloco à direita da entrada do cemitério os jazigos são diferenciados dos outros blocos. Nessa parte os blocos são menores, certamente porque destinavam ao sepultamente de crianças. São poucos os jazigos preservados nesse bloco, visto que foram violados sem motivos aparentes. As lápides são simples, pequenas e artisticamente diferenciadas das lápides de cemitérios católicos. São elas caixas construídas em tijolos que afloram do chão, cobertas por uma placa de mármore, pedras e granito e cercadas por uma grade de ferro fundido e artisticamente trabalhados. Na cabeceira, em vez de epitáfios que caracterizam as lápides católicas, a maioria é constituída de placas de mármore com inscrições em baixo relevo contendo o nome, data de nascimento e falecimento do indivíduo, escritos em alemão e e em inglês No Cemitério de Protestantes foram sepultados indivíduos pertencentes até a segunda geração de europeus chegados na década de 1870 e início do século XX, ou seja, até aproximadamente a década de 1960. Verifica-se, contudo, a existência de jazigos datados da década de 1980, alguns em verdade constituídos de restos mortais de indivíduos falecidos em épocas anteriores e sepultados em outros cemitérios, sendo posteriormente trasladados para jazigos familiares naquele cemitério.
Na década de 1950, no entanto, a Igreja Presbiteriana de Cachoeira não mais possuíam membros – ou possuíam poucos membros - de sobrenome alemão, inglês ou suíço, embora descendentes seus permanecessem residindo e se envolvendo por relações matrimoniais com antigas famílias portuguesas e até mesmo negras da região e professando outros segmentos religiosos cristãos não-protestantes (católicos, por exemplo). Em meados da década de 1950, por exemplo, padres missionários alemães realizavam missas na igreja matriz local, e procissões acompanhadas por alemães católicos residentes em Cachoeira e São Félix . Do mesmo modo, ao longo do tempo a Igreja Presbiteriana de Cachoeira foi aos poucos acolhendo adeptos de variados estratos sociais, étnicos e de outras orientações religiosas, inclusive adeptos do candomblé.
A Igreja Presbiteriana de Cachoeira, enfim, se tornou aos poucos, do ponto de vista da etnicidade, uma instituição mestiça. Por causa desses fatores, entre outros, atualmente o equipamento encontra-se abandonado. Tal desinteresse deve-se ao fato de a referida instituição religiosa ter perdido suas referências históricas. A maioria dos jazigos foi depredado ou sofreu degradação devido a ação do tempo, necessitando de urgente intervenção para conter a sua iminente destruição. Localizada em meio a uma área de recentes e desordenadas construções de casas, o equipamento sofre ameaça de ser invadido.
A Igreja Presbiteriana de Cachoeira não manifesta interesse em preservar o cemitério, embora, como foi discutido, seja de fato e de júri a proprietária do equipamento. Em 1914, o cachoeirano Augusto Duarte registrou o falecimento de Aurélia Bertha Kiesler, de 48 anos, “ocorrido às 11:30 h. na Rua 25 de Junho, filha do Conde General de Kiesler e da condessa de Kiesler, casada com Frederico Hüpsel, natural da cidade de Neustadt Oberschlenn Kreisrtadt, na Alemanha, residente em Cachoeira”. A nobre alemã era mãe de Oceanna, Alfredo, Carlota, Gertrude, Anna, Hebert, José e Elsa. Como já foi dito, observando-se os jazigos preservados, verifica-se que até a década de 1940 o Cemitério dos Protestantes não realizava regularmente sepultamentos, mas pelo menos abrigava restos mortais de “estrangeiros”. Analisando tais jazigos, é possível identificar nome de pessoas que ainda possuem descendentes em Cachoeira, ou de pessoas que não são naturais ou residem nela, mas que mantém relações afetivas por relações de ancestralidades.
Algumas famílias são aqui citadas a partir de inscrição de suas lápides. São elas: Sophia Martfeld, nascida em Bahia [Salvador], em 19 de março de 1870, era filha de Konrad Martfeld, alemão que se estabeleceu em Cachoeira como plantador e exportador de fumos. Possui descendentes em Cachoeira, que preserva ainda um pequeno fabrico de manufatura de fumo. Walter Dannemann; geb 8 marz 1890; gest 14 august 1892, (nascido em 8 de março de 1892 e falecido em agosto de 1892), filho de Gerald Dannemann; Gerald Dannemann era natural de Bremem. Gerald era filho de Gerald Dannemann e Ottilia Danneman, e casado com Aleluia Navarro, filha do Dr. Antonio Rodrigues Navarro de Siqueira e Joanna Navarro de Siqueira, naturais de Salvador. Gerald Dannemann nasceu em 23 de abril de 1851 e Aleluia em 7 de abril de 1860, sendo testemunhas de casamento Carl Friedrick Schramm, natural de Bremen, negociante em Salvador, e José Isidoro Reppol, baiano de Salvador, engenheiro. Sophia Schramm, geb 16 mai 1918; gest 31 october 1920, era filha de Otto Schramm. Outra família Sharamm, sem vínculo de parentesco com seu patrício Otto Schramm e Bertha Schramm. Esta Bertha Schramm foi casada com Heinrich Schramm, que era tia de Sophia Martfeld, que era casada com Alberto Conrado Martfeld. Consta no seu inventário que Bertha Schramm faleceu na casa do súbdito allemão Alberto Conrado Martfeld, num sobrado existente no fundo da Estação Ferroviária de Cachoeira, o qual era casado com sua sobrinha Sophia Martfeld Bertha. Heinrich Schramm possuía imóvel à Rua Ponte Nova, 5, e faleceu na casa do “súbdito allemão Alberto Conrado Martfeld, o qual era casado com sua sobrinha Sophia Martfeld”. Bertha possuía herdeiros no estrangeiro (Alemanha e Argentina). Residiu, depois de viúva, com o já citado negociante Alberto Conrado Martfeld. Ela era alemã e seus familiares eram ligados à Igreja Luterana, conforme documento anexado na arrematação . O alemão Alberto Conrado Martfeld, agora com o nome aportuguesado, era filho dos alemães Konrad Joseph Martfeld e Nitte Maria Martfeld, naturais de Bremen, Alemanha, ambos luteranos. Otto Schramm, “gest 18 de abril de 1869 geb 17 de marz 1934”, era proprietários de terras em algumas localidades próximas de Cachoeira, onde plantava tabaco para exportação e fornecimento para fábricas de fumos da região. Alguns descendentes residem atualmente em Brasília, Rio de Janeiro e Salvador; Rudolf Gaeschlin; geb 23/11/1877; gest 17/01/1938, fazendeiro e proprietário de terras na zona açucareira de Cachoeira. I
dentificamos cinco europeus de variadas nacionalidades moradores de São Félix que eram protestantes e foram sepultados no citado cemitério. Eram eles: Sydney Clement Dore, inglês, natural de Londres, maquinista da Estrada de Ferro Central da Bahia, casado com América Tavares, brasileira. Em 1890, ano de seu falecimento, Sydney tinha 23 anos. Era filho de Thomas Bert Dore e Maria Luísa Dore, O outro era Carlos [Carl] Cristiano Emilio Deter, filho de Henrique João Deters e Carolina Mendes Deters, 41 anos, natural de Hamburgo, Alemanha . Pedro Cupertino e Philomena Galizia. Pedro Cupertino era filho de Cupertino e Maria Rosa, italiano, 45 anos, Maria Rosa era viúva, 35 anos, filha de Nicolau Galizia Rosa. João Carlos Frederico Simões, filho legítimo de Frederico Simões e Helena Simões, 45 anos, natural da Alemanha, e Angélica Senhorinha Pereira Baião, 29 anos, natural de Salvador, filha de Manoel Marcolino Pereira Baião e Tecla Maria do Pilar Baião.
Felix Angelotti, filho natural de João Angelotti e Rosa Maria Angelotti, 32 anos de idade, e D. Cândida Laudelino de Queiroz, 16 anos, cachoeirana, filho de José Machado de Queiroz e Simpliciana de Jesus Queiroz, de São Felix. Igualmente europeus residentes em São Felix que possuem lápides no Cemitério de Protestantes são os cinco nomes que não foi possível encontrar referências documentais. São eles: Ernst Jorn; geb 27/11/1884 in Uslar Deutschland; gest 19 februar 1910 in São Félix; Johann Rudolf Schrader; geb in Barsbuttel, 17 august 1874; gest in St. Félix [São Felix] 24 april 1899; Franz L. Reiske – 28.IX.1901/01.11.1923; Erwin Stanffert; geb 03/01/1900; gest 22 de mai 1926; Franz Feuerherd; geb 17/01/1876; gest 09 de maio 1931.




Navio Negreiro - Castro Alves

I

'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.

'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...

'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...

'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...

Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.

Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!

Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!

Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!

Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
..........................................................

Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!

Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.

II


Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.

Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente,
— Terra de amor e traição,
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso,
Junto às lavas do vulcão!

O Inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou,
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando, orgulhoso, histórias
De Nelson e de Aboukir.. .
O Francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir!

Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu ...
Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu! ...

III


Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!

IV


Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!

E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."

E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...

V


Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!

Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...

São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão. . .

São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma — lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.

Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
... Adeus, ó choça do monte,
... Adeus, palmeiras da fonte!...
... Adeus, amores... adeus!...

Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p'ra não mais s'erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.

Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...

Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! ...

VI


Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...

Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...

Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!

quinta-feira, 24 de março de 2011

PRÓXIMA PARADA: SUBÚRBIO - Renato Lemos

Não é fácil definir exatamente o que é um subúrbio carioca – nem a prefeitura tem dados precisos que ajudem a traçar seus limites -, mas é provável que não exista subúrbio de verdade sem linha do trem, pipa voada, cadeira na calçada, vizinha fofoqueira, botequim da esquina, português no botequim da esquina, fiado só amanhã, sacolé, pelada, top de lycra, carro lavado na rua, churrasquinho, escola de samba, caça-níquel, quintal, cigarra, Cosme e Damião, mangueira e amendoeira, um monte de van, um monte de camelô, bíblia, beata, macumba, criança na rua, Bope, favela, aquelas garotas de shortinho apertado, chinelo de dedo, suor, funk, cerveja e muito calor.

É possível também que subúrbio que é subúrbio mesmo tenha nome e sobrenome, como Ricardo de Albuquerque, Vicente de Carvalho, Quintino Bocaiúva, Oswaldo Cruz, Magalhães Bastos e Bento Ribeiro. Há ainda os que defendam que subúrbio, mais que um conceito geográfico, é um estado de espírito: a pessoa pode deixar o subúrbio, mas o subúrbio jamais a deixará. São pistas a seguir. Desde que a ação da polícia no Complexo do Alemão – aliada às bênçãos de um onipresente São Jorge – trouxe mais paz à região, o carioca voltou a ter a chance de descobrir do que, afinal, é feito o subúrbio.

A estreia de Ronaldinho Gaúcho no Flamengo aconteceu no Engenhão, o estádio cravado no bairro do Engenho de Dentro. É um estádio moderno, com arcos de aço, telões para acompanhar os jogos e lanchonetes de grife. Todos os clássicos do Campeonato Carioca vão acontecer ali. Até 2013, será o campo oficial para Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco. Para chegar lá, o melhor caminho é pegar a linha do trem. A estação do Engenho de Dentro – a mais bonita entre as 19 do ramal de Deodoro – é vizinha do estádio. Saindo da Central do Brasil, são 20 minutos que, com sorte, podem ser percorridos em vagão com ar-condicionado.

O Engenhão se soma a outros motivos – como a inclusão de novos botecos entre os melhores no guia “Rio botequim 2011″, como o excêntrico Codorna do Feio, ali pertinho – que estão devolvendo ao suburbano o orgulho de morar por lá.

- Depois que o carioca superar o medo de sair da Zona Sul, vai descobrir que os botequins do subúrbio têm muito a oferecer – atesta Zé Carlos, do Original do Brás, em Brás de Pina, bicampeão no concurso Comida di Buteco com uma receita revolucionária de bife à rolê. – Sou eu, minha mulher e meu filho, além de duas sobrinhas como garçonetes. Botequim do subúrbio é coisa de família.

Família existe em todo lugar, mas família suburbana é uma instituição à parte, com seus códigos e personagens próprios – e qualquer um que tenha assistido a um episódio de “A grande família” sabe bem o que é isso. É Nenê, Lineu, Tuco, Beiçola e Agostinho por toda parte. Durante os últimos anos, quando foi grande o êxodo dos suburbanos em direção a Jacarepaguá e à Barra, foi a família – ou a memória afetiva, vá lá – que manteve de pé os costumes do lugar.

Onde quer que esteja, o suburbano vai carregar junto com ele os clubes de bairro, o banho de mangueira, o campinho para o “time contra”, o mormaço das tardes de sábado, o futebol no radinho de pilha, o cheiro do incenso e da chuva, os bobbies no cabelo, o vendedor de pão na bicicleta, o bola ou búlica, as coxas da namorada no uniforme da escola, o visgo da jaca, a cola do cerol que gruda nos dedos e nunca mais sai dali. Mais que tudo, o suburbano não desapega das casas da sua infância. E não há subúrbio sem casas de subúrbio.

- Uma casa como esta demorava seis meses para ser vendida, e só quem comprava era creche e centro de macumba. Hoje tenho fila de interessados – diz Paulo Soares, corretor de imóveis, apontando para uma casa de varanda, a imagem de Nossa Senhora de Fátima no alto da fachada, numa rua sossegada do Encantado, bairro com o nome mais bonito da cidade. – Quando o filho se casava, era normal querer morar na Barra ou no Recreio, mas agora ele voltou a procurar imóveis nos bairros onde nasceu.

A casa negociada por Paulo Soares – dois quartos, garagem coberta, muro revestido de azulejos decorados – está avaliada em R$250 mil. É o novo patamar. Um sala e dois quartos em Bonsucesso, por exemplo, que até o ano passado era anunciado por R$90 mil (e não encontrava comprador) agora sai por até R$140 mil. Os aluguéis da área também subiram, cerca de 40%, e já não é fácil encontrar casa de vila – típicas da Zona da Leopoldina – para locação.

- Onde você ia encontrar uma casa igual à minha? Em Ipanema? No Leblon? – pergunta Carlitoel Gomes de Morais, o Carlinhos, que pintou de vermelho e preto a fachada de sua casa, em Olaria, numa homenagem ao Flamengo.

Carlinhos – que afirma que seu nome de batismo é artigo tão raro quanto sua residência – mora há 30 anos no mesmo lugar. Está com 51. A paixão pelo Flamengo se confunde com a paixão pela mulher, Zica, que foi babá de Zico, o Galinho de Quintino. Ele diz ter hábitos, como o de caminhar pela rua depois do jantar para fazer a digestão, típicos do lugar.

Mas Carlinhos lamenta que outros prazeres, como ir ao Cine Olaria (hoje transformado num depósito de material de construção), para ver bangue-bangue, já não façam parte de sua rotina.

- O que deve ser feito é dar aos subúrbios a valorização dos serviços, pensar na obras, no lazer e nos meios de transporte como se fosse no Centro ou na Zona Sul – diz o arquiteto e urbanista Jorge Jauregui, um crítico da maneira desordenada da ocupação urbana carioca. – Além disso, temos que devolver o verde, compactar as áreas, melhorar os trens e intervir na paisagem. O entorno da linha do trem é feio e abandonado, a viagem é um sacrifício. É preciso investir na estrutura e no lazer.

Lazer, em todo o subúrbio, sempre teve nome e endereço: Parque Shangai, logo ali embaixo da Igreja da Penha. O parque está há 63 anos no mesmo lugar e (quase) com os mesmos brinquedos espalhados numa encosta arborizada. Viveu épocas de vacas magras desde que o tráfico se instalou nas redondezas. Isso mudou. Há dois meses, registra um aumento de 25% no número de visitantes. É gente que paga R$15 pelo passaporte com direito a roda-gigante, bate-bate, chapéu mexicano. Num domingo de verão, 38 graus no termômetro, a família de Oswaldo Barbosa ficou 20 minutos na fila do trem fantasma:

- Meu pai me trazia aqui, e agora eu estou vindo com os meus filhos. Não dá pra quebrar a tradição.

Adonias Montenegro sabe bem o que é tradição. Ele tem 72 anos e sempre morou em Marechal Hermes. O bairro, para quem não tem intimidade com a região, é um subúrbio clássico: tem casarões antigos e bem conservados, coreto, ruas de paralelepípedo e militares espalhados em todo o canto. Além de muitas árvores.

Adonias mora em uma casa construída pela Marinha, com varanda, piscina de plástico azul, mangueira no quintal com uma cadeira embaixo. É um lugar estratégico.

Dali, ele fica de olho na rua e no Bar da Amendoeira (existem pelo menos cinco bares da Amendoeira nos subúrbios, o mais famoso é o de Maria da Graça), na esquina em frente. Ele é presidente do Clube do Buraco, um apanhado de uns 30 amigos que, diariamente, se reúne embaixo da tal amendoeira para jogar cartas.

Descobrir o que se conversa ali é mais difícil do que saber se Bangu é subúrbio ou Zona Oeste ou onde, caramba, enquadrar a Ilha do Governador. Aos sábados, a turma do carteado espera o dono do bar encerrar o almoço (feijoada, dobradinha, rabada, um mocotó de lamber os beiços) para colocar o churrasco na rua. Os membros do clube têm direito a levar as famílias.

- Subúrbio é isso aqui, amigos e a família juntos. E a cervejinha, claro. Não saio daqui por nada – diz Adonias, que na juventude jogava futebol no campo hoje ocupado pelas divisões de base do Botafogo. – O Dario Peito de Aço tentava vaga aqui, mas só entrava em campo quando não tinha mais ninguém pra jogar. Não tinha vaga. Muito craque nasceu no subúrbio, cara!

Adonias talvez seja um romântico, nostálgico de uma época que não volta mais. Do tipo que prefere o samba ao funk, o Mercadão de Madureira ao NorteShopping, a conversa no portão ao papo na lan house, a bola de gude ao Playstation, o pé-sujo da esquina ao botequim de franquia, o barbeiro ao salão de cabeleireiro, a Igreja da Penha ao templo da Universal do Reino de Deus. Do tipo que faz questão de afirmar que subúrbio é uma coisa e periferia, ah, periferia é outra, completamente diferente. Não está só.

A Caprichosos de Pilares, que este ano tenta voltar ao Grupo Especial, tem os subúrbios cariocas como enredo. Lá pelo meio do samba, a letra diz: “O povo de bem pede proteção/ Senhor, deram as costas pra me renegar/ Mas minha fé, ninguém vai abalar/ Sou suburbano e não me canso de lutar.”

O subúrbio, todo ele, é mais ou menos assim.

Fonte: Jornal O Globo, 06/02/2010