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sexta-feira, 1 de abril de 2016

UM POUCO SOBRE A QUARESMA E A PÁSCOA - Uma reflexão

 Icon of the Resurrection - 2009

        Com a Quarta-Feira de Cinzas, inicia-se o período da Quaresma. É chamada de Quarta-Feira de Cinzas, pois vem do Povo de Deus do Antigo Testamento, onde se usava cinzas em sinal de penitência e conversão (Ester 4, 1-3.17). Também tem o significado de fim: “Sobrou pó e cinzas”. O nosso fim será qual? Pó e cinzas. Esse é um antigo significado e símbolo bíblico. Não é uma invenção de outras igrejas cristãs. Na história do cristianismo vemos que quando o povo se afastava dos compromissos com a Aliança com Deus, os Profetas chamavam a atenção para a volta aos compromissos e o sinal desse arrependimento era vestir-se de pano de saco e cobrir-se de cinzas.

        A Quarta-Feira de Cinzas convida-nos ao tempo mais importante do Ano Litúrgico da Igreja: o ciclo da Páscoa, representado por 90 dias: 40 de Quaresma e 50 para o Tempo da Páscoa para enfim celebrar a morte e ressurreição de Jesus, a Sua vitória sobre a morte.

        No fim da Quaresma, iniciamos o Domingo de Ramos (Mt 21.1-11; Mc 11.1-11; Lc 19. 28-49; e, Jo 12.12-19). É a Entrada Triunfal de Jesus em Jerusalém. A ida de Jesus a Jerusalém já havia sido predita conforme o registro de Lucas 9. 51-56, quando os Samaritanos não o receberam em sua aldeia. Jesus, e os Discípulos que o acompanhavam seguiram para outra aldeia e pelo caminho o Mestre ia dando ensinos importantes para eles, quando fossem deixados a prosseguir como líderes cristãos, sem a presença de Jesus. Essa foi a última viagem de Jesus a Jerusalém (Lc. 9. 51-56). Jesus desviou o caminho por uma vila samaritana hostil. Assim, em vez de passar por Samaria, ele tomou um caminho aparentemente mais longo, por Citópolis, atravessando para o lado leste do Rio Jordão, indo para o sul. Atravessando novamente o Rio Jordão próximo a Jericó, subindo pela montanha até Betânia, chegando a Jerusalém.

        Jesus, após deixar a aldeia dos samaritanos, da qual foi-lhe rejeitada a entrada, chegou a uma aldeia, Betfagé, perto de Betânia, junto ao Monte das Oliveiras, cerca de 3km de Jerusalém. Ali fala aos seus Discípulos e pede que dois deles se dirijam a uma aldeia fronteira de Jerusalém. Lá eles encontrariam um jumentinho preso e que jamais havia sido montado e por esse motivo tinha um motivo sagrado (Nm 19. 2 e I Sm 6. 7). Os donos do jumentinho não se opuseram a dar-lhe ao Senhor. De posse do animal jogaram as suas vestes sobre ele, o que serviu de sela, ajudaram Jesus a montar no animal e assim Ele desceu o pelo Monte das Oliveiras rumo a Jerusalém, onde entrou. O povo ao vê-lo, estendia suas capas e vestes no chão formando um tapete outros cortavam ramos de árvores e jogavam, “...a multidão dos discípulos passou, jubilosa, a louvar a Deus em alta voz, por todos os milagres que tinham visto, dizendo: Bendito é o Rei que vem em nome do Senhor! Paz no céu e glória nas maiores alturas! (Lc 19. 37 e 38).

        Com a Entrada Triunfal de Jesus em Jerusalém, cumpriu-se a profecia de Zacarias 9.9: “Alegra-te muito, ó filha de Sião; exulta, ó filha de Jerusalém: eis aí te vem o teu Rei, justo e salvador, humilde, montado em jumento, num jumentinho, cria de jumenta”. Tal entrada é a declaração pública da messianidade, entretanto uma messianidade distinta, porque um Rei entraria montado num cavalo, animal mais nobre, de um conquistador. Já um homem montado no jumentinho, representava um homem de paz, mesmo o povo declarando “...Bendito é o Rei...” (Lc. 19. 38), esse povo não viu a ênfase demonstrada por Jesus, mas parece ter reconhecido a sua realeza. Diante dessa cena, os fariseus (grupo de judeus que rendeu-lhes a fama de hipócritas que apenas manipulavam as leis para seu interesse, sendo-lhe atribuído um grupo de religiosos aparentes) pediram que Jesus repreendesse os Discípulos, mas a resposta de Jesus foi bem enérgica: “Asseguro-vos que, se eles se calarem, as próprias pedras clamarão.” (Lc. 19. 40). Os fariseus não queriam que nada provocasse a reação dos Romanos, já que a Judéia era província de Roma. Jerusalém fazia parte da Judéia e seu Rei era Herodes I, ou Herodes, o Grande (73 a.C. – 4 d.C.), que apesar de ser judeu-helenista, teve garantida a sua realeza na Judéia pelo Cônsul romano Marco Antonio (83 a.C. – 30 a.C.). O Imperador Romano Augusto César, ou Otaviano, (63 a.C.- 14 d.C.) manteve Herodes no poder na Judéia.

        O Domingo de Ramos marca a ruptura de Jesus com os chefes dos judeus. Anuncia-se e proclama-se a realeza de Jesus, que vem com um projeto de Justiça, Amor e Paz. Os ramos significam a vitória de Jesus sobre a morte.

A Páscoa (Pessach) Judaica, também conhecida como "Festa da Libertação", se aproximava. A Pessach celebra a libertação dos hebreus da escravidão no Egito em 14 de Nissan (nome dado ao primeiro mês do calendário judaico religioso, sétimo mês do calendário civil e que em nosso calendário ‘gregoriano’ é o primeiro domingo de outono entre os meses de março e abril – Ex 12. 1-14) no ano aproximado de 1280 a.C.

        Sendo a Pessach uma das festas populares, era costume que o Prefeito Romano (ou Governador, como alguns historiadores nominam) deixasse sua sede de governo em Cesaréia e viesse visitar importantes regiões da Idemeia, Judéia e Samaria, isto é, parte do Império Romano. Era Prefeito Pôncio Pilatos (5? a.C. – 37 d.C.).

        Com o receio de haverem agitações na região, por conta de Jesus e seus seguidores, Pilatos entra em Jerusalém ostentando contingente muito grande de soldados e cavalaria exibindo-se para intimidar o povo e desencorajar-se de alguma manifestação.

        Recordemos o que foi dito anteriormente, Jesus entra em Jerusalém montado num jumentinho e o Prefeito Romano entra em Jerusalém montado num cavalo. Jesus sabia que Pilatos estava em Jerusalém. Ele sabia que estava para se cumprir a sua missão. O Profeta Isaías já havia predito isso (Is 7.14; 9.2, 6 e 7).

Jesus era judeu, participou da páscoa judaica aos 12 anos de idade (Lc 2. 41-42) e também a celebrou nos últimos dias de sua vida e instituiu a “Ceia Pascal Cristã”, declarando que era seu Corpo e Sangue e autorizando sua celebração em sua memória (Lc 22. 14-20).

        Por muitas gerações a páscoa era uma festa de pastores que celebravam o nascimento das ovelhas. Depois passou a ser celebrada com a festa dos pães ázimos, festa agrícola, especialmente na terra de Canaã. Depois a Páscoa Judaica passou a ser escrita para animar o povo no Cativeiro Babilônico (598 a.C. – 538 a.C.) e também em memória dos 430 anos desde o anúncio de Javé a Abrão (Gn 15. 13), a peregrinação no Egito e a entrada da Terra Prometida, por isso a Páscoa Judaica tem o significado de Libertação.
Mas antes de falar da Páscoa Cristã, vamos falar do Tríudo Pascal, ou Semana Santa, (conjunto de três dias celebrados no Cristianismo, composto pela Quinta-Feira Santa, Sexta-Feira Santa e Vigília Pascal, véspera ‘sábado’ do Domingo de Páscoa).

        Voltamos a dizer que tais relatos não são celebrações romanas, ou ortodoxas, ou anglicanas, mas cristãs.

        Na Quinta-Feira Santa foi o dia em que Jesus celebrou a páscoa e instituiu a Ceia, um novo mandamento, o amor. Na ceia pascal Jesus cinge-se (põe um avental) com um pano de serviço para lavar os pés dos Apóstolos. Não foi um ato apenas de humildade, mas também de amor que o leva a servir aos irmãos. O avental é a veste de quem se põe a serviço – assim como o Avental Maçônico que está sempre junto dos maçons significando que eles devem estar constantemente trabalhando em prol da humanidade. Assim Jesus fez, assim devem fazer os discípulos uns aos outros. É o novo significado que Jesus dá ao serviço entre irmãos. A “Última Ceia” de Jesus e seus discípulos é a “Primeira do Novo Testamento”, foi o gesto de comer o pão e de beber o vinho consagrado. É neste momento que Judas Iscariotes sai para entregar Jesus por trinta moedas de prata. E é nesta noite em que Jesus é preso, interrogado e, no amanhecer da sexta-feira, açoitado e condenado.

           Na Sexta-Feira Santa lembramos a crucificação de Jesus (Lc 23. 26-49).

        No Sábado, é o dia da espera. Os cristãos junto ao sepulcro de Jesus aguardam sua ressurreição. No final deste dia é celebrada a Solene Vigília Pascal, a mãe de todas as vigílias, como disse Santo Agostinho (354 d.C. – 430 d.C.).

        No Domingo, celebramos a Ressurreição de Jesus (Lc 24). A Ressurreição é a maior Páscoa de todos os tempos. É passar da escravidão para a vida. É passagem. Não é doutrina, é fato. Na páscoa Jesus realizou concretamente a missão para a qual veio ao mundo, a salvação. HOJE, a páscoa deve continuar tendo o seu significado, mas também precisa significar a libertação de toda opressão que tira a liberdade e a dignidade humana.

        A Ressurreição é o selo de garantia de que o povo está salvo, pois Jesus traz a vida nova, livre da morte e do pecado, plena liberdade e de amor. A luta pela libertação de situações desumanas em que vivem os pobres miseráveis é explicada e incentivada pela força transformadora da Ressurreição. Toda mudança de tratamento interpessoal como das situações concretas de vida indigna é a ação transformadora da ressurreição. Mas, essa ação transformadora precisa, entre os cristãos e as comunidades cristãs, testemunhar, pelas suas ações libertadoras, que continua em ação a fraternidade do ensinamento e da prática de Cristo. Sempre que houver ação transformadora movida pelo amor, há Ressurreição. Não falo aqui apenas de libertação do pecado, mas proposta de vida social nova.

        A Ressurreição não foi apenas a restauração de um corpo físico. Mas, foi a transformação da humanidade de Jesus, que o capacitou a aparecer e a desaparecer e mover-se de forma invisível de um lugar para o outro, assim como os discípulos de Emaús (Cleopas e Simão) (Lc 24. 13-35). Foi a renovação criativa do seu corpo, que o tornou agora corpo totalmente glorificado e não mais sujeito à morte. O Filho de Deus, no céu, vive no corpo e através do corpo e assim será para sempre. O Apóstolo Paulo (5? d.C. – 67 d.C.), em sua Primeira Epístola aos Coríntios 15. 50-54, nos diz que os cristãos que estiverem vivos na terra no momento em que Jesus voltar passarão por transformação semelhante. E os que morrerem antes da vinda de Cristo, serão transformados da mesma forma e nunca mais morrerão.

        E o que podemos dizer na Páscoa desse ao de 2016? Faço minhas as palavras do Papa Francisco em sua Mensagem “Urbi et Orbi” ("à cidade de Roma e ao mundo") nesse Domingo de Páscoa de 2016:

“[...] A proposta do mundo é impor-se a todo o custo, competir, fazer-se valer… Mas os cristãos, pela graça de Cristo morto e ressuscitado, são os rebentos duma outra humanidade, em que se procura viver ao serviço uns dos outros, ser não arrogantes mas disponíveis e respeitadores.
Isto não é fraqueza, mas verdadeira força! Quem traz dentro de si a força de Deus, o seu amor e a sua justiça, não precisa de usar violência, mas fala e age com a força da verdade, da beleza e do amor.
Do Senhor ressuscitado imploramos a graça de não cedermos ao orgulho que alimenta a violência e as guerras, mas termos a coragem humilde do perdão e da paz. A Jesus vitorioso pedimos que alivie os sofrimentos de tantos irmãos nossos perseguidos por causa do seu nome, bem como de todos aqueles que sofrem injustamente as consequências dos conflitos e das violências em curso.
Pedimos paz, antes de tudo, para a Síria e o Iraque, para que cesse o fragor das armas e se restabeleça a boa convivência entre os diferentes grupos que compõem estes amados países. Que a comunidade internacional não permaneça inerte perante a imensa tragédia humanitária no interior destes países e o drama dos numerosos refugiados.
[...] Suplicamos paz para a Líbia a fim de que cesse o absurdo derramamento de sangue em curso e toda a bárbara violência, e aqueles que têm a peito o destino do país se esforcem por favorecer a reconciliação e construir uma sociedade fraterna que respeite a dignidade da pessoa. E almejamos que, também no Iémen, prevaleça uma vontade comum de pacificação a bem de toda a população.
Ao mesmo tempo, confiamos esperançosos ao Senhor misericordioso o acordo alcançado nestes dias em Lausanne, a fim de que seja um passo definitivo para um mundo mais seguro e fraterno.
Do Senhor Ressuscitado imploramos o dom da paz para a Nigéria, o Sudão do Sul e as várias regiões do Sudão e da República Democrática do Congo. De todas as pessoas de boa vontade se eleve incessante oração por aqueles que perderam a vida – penso de modo particular aos jovens mortos na quinta-feira passada numa Universidade de Garissa, no Quênia -, por quantos foram raptados, por quem teve de abandonar a própria casa e os seus entes queridos.
A Ressurreição do Senhor leve luz à amada Ucrânia, sobretudo àqueles que sofreram as violências do conflito nos últimos meses. Possa o país reencontrar paz e esperança, graças ao empenho de todos as partes interessadas.
Paz e liberdade, pedimos para tantos homens e mulheres, sujeitos a formas novas e antigas de escravidão por parte de indivíduos e organizações criminosas. Paz e liberdade para as vítimas dos traficantes de droga, muitas vezes aliados com os poderes que deveriam defender a paz e a harmonia na família humana. E paz pedimos para este mundo sujeito aos traficantes de armas.
Aos marginalizados, aos encarcerados, aos pobres e aos migrantes que tantas vezes são rejeitados, maltratados e descartados; aos doentes e atribulados; às crianças, especialmente as vítimas de violência; a quantos estão hoje de luto; a todos os homens e mulheres de boa vontade chegue a voz consoladora do Senhor Jesus: «A paz esteja convosco!» (Lc 24, 36). «Não temais! Ressuscitei e estou convosco para sempre!»

        Depois da Páscoa celebraremos a Ascensão do Senhor, 40 dias (Atos 1. 3) que Jesus ficou após a Ressurreição em aparições: Em Marcos 16. 14; Lucas 24. 50-52; João 20. 17; João 20. 29; João 21; Atos 1. 3. Celebraremos a Ascensão do Senhor, quinta-feira, dia 05/05/2016. Após a Ascensão vem o Pentecostes, 50 dias após a Ascensão, domingo, 15/05/2016.

        A reflexão dessa semana pode ter sido longa, prolixa, mas aproveito para deixar, como finalização, uma oração:

Ó Deus celestial, que fizeste com que a aurora santa brilhasse com a glória da ressurreição do Senhor; aviva em tua Igreja o Espírito de adoção que nos é dado no Batismo, a fim de que nos renovemos tanto no corpo como na mente, e te adoremos com sinceridade e verdade; mediante Jesus Cristo, nosso Senhor, que vive e reina contigo e com o Espírito Santo, um só Deus, agora e sempre. Amém.

    Por Jesus Cristo, o Ressuscitado é que oro por você que lê essa reflexão. Ore também por mim.

    Diác. Nelson de Paula Pereira +
    Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro
    nelsondepaula@yahoo.com.br
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Presb. Edson Gueiros Leitão, Rev. Guilhermino Silva da Cunha e Diác. Nelson de Paula Pereira
2009

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